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domingo, 27 de março de 2011

Comissão propõem mudanças na política de combate as drogas.

Um debate ampliado e livre de tabus, que trate o consumo de drogas como questão de saúde. Esta foi a proposta apresentada pelo relatório “Hora de debater e inovar”, divulgado pela Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), na Fiocruz, no Rio.

O documento é resultado de um trabalho de um ano e meio que envolveu especialistas em diferentes áreas, como saúde, direito, segurança e economia. O grupo pretende recolher assinaturas em defesa do relatório, que será encaminhado ao governo federal. O apoio popular será buscado também nas redes sociais.

- Se há problema de droga, que saia do terreno criminal, da polícia, e que venha para o terreno da saúde. O problema da polícia é bandido. O problema do consumo da droga, seja ela o álcool, o cigarro, a maconha ou o terrível crack, é um problema que precisa de assistência de saúde - defendeu Rubem César Fernandes, secretário-executivo da CBDD e diretor-executivo do Viva Rio.

Os membros da comissão criticaram a atual legislação brasileira que, segundo eles, não é clara quanto à diferenciação entre usuários e traficantes.

Abaixo a integra do relátório da Comissão.

Hora de debater e inovar
"Reunidos na Fiocruz, os participantes da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD) vêm a público apresentar as suas conclusões em seguida a 18 meses de trabalhos. Somos um grupo que reúne especialistas de vários domínios, como a Saúde, o Direito, a Economia, as Finanças, o Jornalismo, a Segurança Pública, a Ciência, as Religiões, as Artes, os Esportes, os Movimentos Sociais.
Constatamos que alcançar um mundo sem drogas, como proclamado pela ONU em 1998, revelou-se um objetivo ilusório. A produção e o consumo clandestinos mantêm-se apesar do imenso esforço repressivo. Além dos cultivos, uma nova geração de drogas sintéticas espalhou-se mundo afora. O estigma dificulta a prevenção e o tratamento, que são fundamentais. Contribui, na prática, para um afastamento de parcelas da juventude das instituições públicas.  Os altos ganhos do negócio ilícito reforçam o crime organizado e a corrupção, gerando situações insustentáveis, no Brasil e internacionalmente.
No Brasil, o mercado de drogas ilícitas age abertamente, oferecendo seus produtos à luz do dia. Esse mercado, altamente capitalizado, consegue sobreviver inclusive graças a seu poder de corromper nossas instituições. A associação entre drogas ilícitas e armas gera um ambiente de grande violência e insegurança.
Propomos, portanto, que se abra o debate de maneira franca, sobretudo nos ambientes de convivência jovem. Enquanto as drogas forem encaradas como um tabu, não se discutirá a sério sobre elas na escola, na igreja, na mídia, nas unidades de saúde, nem mesmo em casa com nossos filhos. Necessitamos de boa informação, cientificamente ancorada, que nos ajude a encontrar alternativas. Apelamos às redes sociais, às autoridades (Executivo, Legislativo, Judiciário) e aos órgãos de imprensa para que acolham e estimulem este debate, com destemor.
A mudança do enfoque, com o reforço do papel da saúde pública, deve levar a melhores resultados. As políticas atuais contra o tabagismo são um bom exemplo. A limitação dos espaços e da idade de consumo permitido, as campanhas abertas e bem feitas, o foco na saúde, a participação das pessoas mais próximas, sobretudo de crianças e jovens, tudo isto gera um movimento de opinião que intervém de fato nas consciências e no comportamento.  É mais efetivo e menos traumático.
Há diversos exemplos a observar - Holanda, Bélgica, Alemanha, Espanha, entre outros. A experiência de Portugal é particularmente interessante: desde 2001, a posse e o porte para consumo pessoal de todas as drogas foram descriminalizados naquele país irmão. Descriminalizar não significa legalizar. Significa dizer que, muito embora seu consumo ainda seja proibido, os infratores não são encaminhados à Justiça Criminal. São acolhidos por comissões especiais cujo objetivo é auxiliar o usuário a preservar sua saúde. Após dez anos desta política, Portugal reduziu a criminalidade, produziu baixa expressiva na população prisional e, sobretudo, diminuiu o consumo de drogas entre os adolescentes.
Não se deve tratar igualmente drogas de efeitos diversos. O caso da maconha merece atenção específica.  É a substância ilícita mais consumida e a de menores efeitos perniciosos. A produção para consumo próprio tem sido regulamentada em outros países, inclusive nos EUA, e está prevista até mesmo na lei brasileira.
No outro extremo, temos o crack, motivo da maior preocupação. Nas ruas e nas comunidades, crianças e adolescentes são consumidos pelo vício, formando grupos de pequenas figuras humanas que vivem em condição deplorável. Aí está um dos maiores desafios para a criatividade das políticas de contenção, assistência e saúde, que dependem, evidentemente, de uma intimidade com o problema, suas vítimas, suas famílias e seus vizinhos, para que se vislumbrem caminhos de resgate e reabilitação, enquanto é tempo. 
Sabemos, enfim, que drogas como o cigarro, o álcool e as psicotrópicas, estão próximas e fazem parte do dia a dia. Importa encarar esse fato de frente e indagar sobre como reduzir os danos que cada substância pode provocar. Fazer de conta que vão desaparecer e entregar os seus rastros à polícia, para que delas se ocupe em nosso lugar, já não é admissível. Acreditamos que uma política de drogas mais inovadora e eficaz facilitará o combate ao crime organizado.
Pedimos à sociedade o esforço da discussão serena e equilibrada de um tema que não pode esperar".