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terça-feira, 7 de junho de 2011

Entrevista sobre a política portuguesa antidrogas.

FONTE: O Estado de São Paulo

Política antidrogas
Entrevista com o secretário de Estado da Saúde de Portugal, Manuel Pizarro. Médico, 47 anos, nascido em Coimbra, Pizarro foi um dos artífices do modelo português de descriminalização. Na entrevista a seguir ele fala dos resultados obtidos em seu país, como a redução do consumo entre jovens e a mitigação da tragédia familiar da droga, embora se mantenha cauteloso quanto à prescrição do receituário a outras realidades. O mais importante, diz, é não encarar a medida como a bala de prata que resolve tudo: "Se não for acompanhada de estruturas de prevenção, redução de danos, tratamento e reinserção, pode não servir para nada".

Dez anos depois da lei de descriminalização em Portugal, quais são os resultados? Temos procurado, numa matéria tão delicada como essa, não reclamar sucessos que possam ser questionados. Nos últimos dez anos a situação portuguesa em matéria de consumo de drogas ilícitas melhorou muito. Na década de 90 esse era o problema que mais afligia as famílias portuguesas. Agora, deixou de estar entre os dez mais preocupantes. O consumo, esporádico ou regular, de substâncias ilícitas entre os jovens dos 12 aos 18 anos caiu - fato confirmado em estudos nacionais e internacionais com origem no Observatório Europeu das Drogas e Toxicodependência (OEDT). E aumentou o número de toxicodependentes em tratamento. A aproximação dessas pessoas do sistema de saúde foi o resultado mais importante da lei. Por consequência houve uma acentuada redução de casos de infecção por HIV e de hepatites B ou C.
Em que consiste a lei? O aspecto mais inovador é a consideração de que o consumo de substâncias ilícitas, ou sua posse para uso próprio, deixou de ser crime. Consumir droga continua a ser ilegal, mas deixou de ser crime, sendo tratado - e punido, se for caso disso - como infração administrativa. Essa mudança resultou de uma reflexão estratégica: os esforços realizados até o final dos anos 90, numa ótica meramente proibicionista e criminalizadora, não tinham resultado. Ao mesmo tempo, ganhou-se consciência de uma contradição: os médicos diziam que o dependente é um doente, mas a lei dizia que o consumo de drogas era crime. Que sentido fazia, por exemplo, existir um programa nas farmácias, apoiado pelo governo, para promover a troca de seringas? Então o governo contribuía para a concretização de um crime? A nova estratégia aposta no humanismo e no pragmatismo.
Houve resistências na sociedade portuguesa quando a lei foi aprovada?Muitas. Políticos mais conservadores chegaram a dizer que Portugal se tornaria destino turístico para consumidores de drogas, que aterrariam em Lisboa aviões só para esse fim. Na época, o responsável pela área era o atual primeiro-ministro, José Sócrates, que, com sua determinação e o envolvimento da comunidade científica, conseguiu levar o processo até ao fim. Hoje, dez anos passados, em face dos resultados alcançados desapareceram todas as resistências e não há nenhum partido político com representação no Parlamento que reclame o regresso à antiga solução legal.
Qual foi o custo para o sistema de saúde?
Essa conta não está feita. Foram criadas novas estruturas para onde são encaminhados todos os que forem encontrados a consumir ou na posse de pequenas quantidades de substâncias ilícitas, as Comissões de Dissuasão da Toxicodependência (CDT). São estruturas muito leves, normalmente constituídas por um jurista, um psicólogo e um técnico do serviço social. As CDTs estão inseridas no universo da saúde e não no mundo judicial, o que determina seu enfoque. Por outro lado, reforçou-se toda a estrutura existente para o tratamento dos dependentes. E aumentaram os recursos para apoiar equipes que fazem trabalho de rua, quer nas ações de redução de danos (troca de seringas, distribuição de metadona, entre outras), quer na tentativa de trazer mais pessoas para o tratamento. No entanto, no seu conjunto, a área de dependência representa menos de 1% da despesa do sistema de saúde português. A despesa do sistema de saúde em tratamento da infecção por HIV em Portugal é três vezes superior ao gasto na área da dependência.
O que acontece com o usuário se ele se recusa ao tratamento?A CDT pode orientar a pessoa para o tratamento e pode, complementarmente, penalizá-la de outras formas, entre as quais a multa ou a obrigação de apresentação periódica. Além disso, o sistema se comunica com o sistema judicial: uma pessoa pode ser encaminhada para o sistema criminal se houver suspeita de que a droga não era para seu consumo. A verdade é que a esmagadora maioria dos que são acompanhados cumpre voluntariamente a orientação da CDT. Em muitos casos, trata-se de consumidores esporádicos - alguns também têm problemas de inserção social e personalidade.

Para continuar lendo a entrevista: http://migre.me/502Yz

Manuel PizarroMédico, secretário de Estado da Saúde de Portugal e ex-deputado da Assembleia da República